Processos Patológicos III

ALTERAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO, CRESCIMENTO (PROLIFERAÇÃO) E DA DIFERENCIAÇÃO CELULAR.

1. ALTERAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

    São consideradas alterações do desenvolvimento, as alterações congênitas (lt. congenitus= nascido com) decorrentes de distúrbios do desenvolvimento durante a vida pré-natal. Em condições normais, há uma certa variação quanto à forma, tamanho e função do corpo, órgãos, sistemas orgânicos, tecidos e células. Se o desvio supera a variação média dizemos que ocorreu malformação ou uma anomalia congênita.

    O ramo da ciência que estuda as más-formações congênitas ou anomalias morfológicas é a teratologia: e compreende o estudo das más-formações congênitas, sua incidência, mecanismos. Apesar de o sufixo “Teras” significar monstro, na teratologia não são estudados apenas as monstruosidades, mas TODAS as más-formações mesmo as menos graves.

    A maioria das más-formações tem sua origem no início do desenvolvimento embrionário, principalmente nas etapas iniciais, até a oitava semana do desenvolvimento (analise a figura 1 abaixo e entenda a razão):

Figura 1- Esquema do desenvolvimento embrionário e fetal humano: as barras azuis indicam o período onde pode ocorrer as anomalias mais graves, enquanto que as barras verdes indicam o período onde pode ocorrer anomalias menos graves.

 

1.1 MAL-FORMAÇÕES UNIDAS (Gêmeos conjugados):

    Quando o disco embrionário não se divide completamente, podem se formar vários tipos de gêmeos conjugados. Esses gêmeos recebem nomes de acordo com a região pela qual estão unidos. Exemplo: toracopagus (gêmeos unidos pela região anterior das regiões torácicas), ver outros exemplos na Figura 2.  Foi estimado que a incidência de gêmeos conjugados é de 1 em cada 50.000-100.000 nascimentos.

Figura 2- Gêmeos unidos: A-diprósopos (apresentam duas faces em uma cabeça ligada a um único corpo); B-dicéfalos (apresentam duas cabeças ligadas a um único corpo são denominados dicéfalos); C-isquiópagos (são os gêmeos ligados pelas margens inferiores da região sacrococcigeana, manten do as colunas vertebrais em sentidos opostos, segundo um mesmo eixo) ; D-pigópagos (estão ligados pela superfície póstero-lateral da regiãosacro-coccigeana); E-craniópagos (são  ligados por uma região da abóbada craniana); F-sincéfalos (ligados pela face); G-dípigos (apresentam duas cinturas pélvicas  e quatro membros inferiores  ligados  a um tronco  e cabeça  únicos); H-teratópagos (apresentam parte da região torácica em comum); I-onfalópagos (sã o unidos por uma ponte de tecido que vai desde o umbigo até a cartilagem xifóide).

 

1.2 MAL-FORMAÇÕES LIVRES (HEMITÉRIAS)

    São deformações leves e suas causas raramente são conhecidas. Elas podem ser classificadas em:

a) Alterações no tamanho: ao se examinar determinado órgão ou tecido que não atingiu seu tamanho normal, existem 3 possibilidades diagnóstica: agenesia, aplasia e hipoplasia.

* Agenesia:

É a ausência completa de um órgão ou da parte considerada (a=negação + genesis=origem). Em outras palavras o órgão não existe. Exemplos: Agenesia renal, anencefalia e agenesia de dentes (Figura 3 e 4A).

Figura 3- Exemplos de agenesia: (a) agenesia renal (seta preta); (b) amencefalia acompanhada de acrania; (c) amelia dos membros superiores (devido ao uso da talidomida pela mãe, durante ao período gestacional); (d) agenesia dos dentes: radiografia panorâmica do paciente. Note-se a ausência de oito dentes e a pequena dimensão na maxila. Fonte: (A), (B) e (C) foram adaptadas de Valdéz et al., (2010), livro de Embriologia Humana da editora ECIMED e (E) Borie et al., (2012) Int. J. Morphol., 30(2):634-636, 2012.


* Aplasia

A aplasia é menos grave que a agenesia. O órgão existe mas, apenas um vestígio dele (Figura 4B). Em outras palavras, o órgão não se desenvolveu.

Figura 4: Mal-formações livres- (A) agenesia pulmonar unilateral completa: o pulmão direito e árvore brônquica estão ausentes; (B) Aplasia do pulmão direito: é possível observar apenas rudimentos bronquicos e (C) Hipoplasia do pulmão direito: é possível observar que houve um desenvolvimento incompleto do órgão, ou seja ele não atingiu o seu tamanho normal. Adaptado de: https://www.netterimages.com/image/42.htm.

 

* Hipoplasia

Hipoplasia significa que houve desenvolvimento incompleto do órgão, isto é, que ele não atingiu o seu tamanho normal (hipoplasia= pouco desenvolvimento). Os casos de hipoplasia são comuns mas, ás vezes pouco perceptíveis. Exemplo: Hipoplasia pulmonar (Figura 4C).

 

* Fissuras na linha mediana

A fusão incompleta dos folhetos embrionários resulta em uma fenda na linha mediana ventral do corpo, ao passo que a fusão incompleta da prega neural resulta em fendas na linha mediana dorsal. Para a nomenclatura das fendas ou fissuras congênitas, agrega-se o sufixo squise (fenda) à raiz que indica a região afetada (por exemplo craniosquise, palatosquise,gnatosquise, raquisquise (espinha bífida).

Exemplos: Queilosquise ou palatosquise (Figura 5).

Figura 5: Representação dos tipos mais comuns de fenda que pode afeta o palato. (a) fissura labial unilateral com envolvimento alveolar, (b) lábio leporino bilateral com envolvimento alveolar, (c) fissura labial unilateral associado com a fissura de palato, (d) fissura de lábio e palato bilateral, (e) fenda palatina somente. Fonte: Brito et al. Genetics and Management of the Patient with Orofacial Cleft. Plast Surg Int. 2012; 2012: 782821.

 

* Fusão

União de estruturas que normalmente seriam separadas. Exemplo: Sindactilia

Figura 6: Sindactilia: União de dedos. Fonte: https://www.doctorfernandonoriega.com/tag/sindactilia/

 

* Deslocamento de órgãos

Os deslocamentos de orgãos constitui as distopias ou ectopias congênitas, em que órgão se desenvolve em um local anômalo. Exemplos: Ectopia cordis e a dextrocardia (Figura 7).

Figura 7: Dextrocardia. Fonte: Faig-Leite & Faig-Leite. Anatomia de um caso de dextrocardia com Situs SolitusArq. Bras. Cardiol. vol.91 no.6 São Paulo Dec. 2008.

 

* Deslocamento de tecidos

A ectopia ou heterotopia tecidual é a presença anormal de um tecido em um local diferente do original.

Coristia: em que um tecido ectópico é morfologicamente e funcionalmente normal. Exemplos

Hamartias: Tecido em excesso localizado no próprio órgão.

 

 

2. ALTERAÇÕES DO CRESCIMENTO  E DA DIFERENCIAÇÃO CELULAR

 O controle da divisão e da diferenciação celular é feito por um sistema integrado e complexo, que matém a população celular dentro de limites fisiológicos. Alterações nesse sistema regulatório resultam em distúrbios ora da proliferação ora da diferenciação, ora das duas ao mesmo tempo. Segue abaixo uma maneira prática de agrupar os distúrbios da proliferação e da diferenciação:

 

2.1 Alterações do volume celular

Quando uma célula recebe estímulo acima do normal, aumentando a síntese dos seus constituintes básicos e o seu volume, têm-se a hipertrofia (do grego hiper= excesso; trofos=nutrição, metabolismo). O aumento de volume é acompanhado do aumento das funções celulares. Ao contrário, se a agressão resultar em diminuição da nutrição, do metabolismo e da síntese necessária para a renovação de suas estruturas. A célula fica com o volume menor, fenômeno que recebe o nome de hipotrofia (do grego hipo=pouco).

 

2.2 Alterações do crescimento (alterações na taxa de divisão celular):

O aumento da taxa de divisão celular acompanhado de diferenciação normal recebe o nome de hiperplasia (plasis=formação), ao contrário, diminuição da taxa de proliferação celular é chamada de hipoplasia.

 

2.1.1 Hiperplasia

Consiste no aumento no número de células de um órgão ou parte dele, por aumento da proliferação celular e/ou retardo da apoptose. A hiperplasia só acontece em órgãos que têm a capacidade replicativa. Como na hipertrofia o órgão afetado, fica aumentado de volume e peso (por causa do maior número de células). Em órgãos com hiperplasia, ocorrem aumento na síntese de fatores de crescimento e de seus receptores, além de ativação de rotas intracelulares de estímulo a divisão celular.

A capacidade de proliferação hiperplásica tem limites. As células hiperplásicas não se multiplicam indefinidamente e, embora formem uma população nova que crescem no local estimulado, conservam os mecanismos da divisão celular. Se a causa for eliminada a população celular pode voltar ao normal.

 

2.3 Alterações da diferenciação celular

Quando as células de um tecido modificam o seu estado de diferenciação normal, têm-se a metaplasia. Do grego (meta=mudança; variação).

 

2.4 Alterações da proliferação e da diferenciação celular

Quando há proliferação celular, redução ou perda de diferenciação fala-se em displasia (do grego dys=imperfeito, irregular).

4 Neoplasia

    Neoplasia, literalmente, significa "novo crescimento". Neoplasia (tumor) é uma massa anormal de tecido cujo crescimento excedo o do tecido normal e não está coordenado com ele, persistindo da mesma maneira excessiva após a cessação do estímulo que provocou a alteração (Willis, 1942).

    Uma biopsia tecidual (ou em alguns casos, um aspirado citológico será necessário), pode ser requerida do paciente para confirmar se a massa tumoral é uma neoplasia e se é benigno ou maligno.

    "Neoplasia" implica em anormalidades genéticas intrínseca em células somáticas que gera um crescimento autônomo. As células neoplásicas não se comportam como populações integradas e interdependentes. Os mecanismos reguladores que controlam a mitose, a diferenciação e a ás interações célula são defeituosos. As células crescem como massas que se expandem rapidamente e que comprimem ou invadem os tecidos adjacentes e que podem, por fim comprometer a sobrevida do indivíduo. 

4.1 O que leva essas células a apresentarem tal comportamento?

    Primeiro é a capacidade de mitose descontrolada, crescimento expansivo de uma neoplasia que se deve diretamente ao aumento do índice de replicação celular. Outros atributos, são alterações que proporcionam a célula a capacidade de se dissociar das células vizinhas, de crescer e se movimentar em seu novo ambiente. Á medida que célula neoplásica se move para longe da massa tumoral em expansão, ela deve alterar a substância fundamental amorfa  do tecido conjuntivo e estimular a angiogênese. Se não houver o crescimento de novos vasos para a nutrição, o tumor em desenvolvimento não prosperará.

4.2 Quais são as principais diferenças entre um tumor benigno e um tumor maligno?

   * Neoplasia benigna: é aplicado quando a neoplasia se mantém localizada, não invade os tecidos adjacentes e não se dissemina para novos locais (Figura 8A e Quadro 1).

  * Neoplasia maligna: é aplicado quando a massa neoplásica se dissemina, invadem (infiltram) e metastatizam para outros locais do organismo (Figura 8B e Quadro1).

Figura 8: Diferenças básicas e gerais entre uma (A) Neoplasia benigna e uma (B) Neoplasia maligna. From Damjanov, 2000 in https://medical-dictionary.thefreedictionary.com/benign+tumor

 

Adaptado de: Bogliolo, 8ª ed, 2011.

 

Veja alguns exemplos:

a) As figuras abaixo mostram uma neoplasia de tecido adiposo. Observe-as e descreva-as: trata-se de neoplasia Benigna ou Maligna?

Figura 9: Lipoma- Neoplasia benigna da superfície serosa do intestino delgado. (A) Observe que o tumor (seta preta) possui as características de um tumor benigno: é bem circunscrito e delimitado, de crescimento lento, não invasivo  e que se assemelha com o seu tecido de origem (tecido adiposo); (B) micrografia da mucosa estomacal (menor aumento, corado em HE) mostrando uma massa adiposa, bem delimitada e bem diferenciada; (C) Observe os detalhes do lipoma em maior aumento, mostrando as células adiposas do tumor, que é bem semelhamente ás células adiposas de origem. Fonte: as imagens acima utilizadas foram adaptadas de: https://library.med.utah.edu/WebPath/NEOHTML/NEOPL013.html.

b) Analise as figuras abaixo e descreva-as:

Figura 10: Leiomioma- (A) Útero aberto mostrando multiplos tumores (setas brancas), de tamanhos variados, mas todos benígnos, bem circunscritos, etc; (B) Microscopia do leiomioma (neoplasia derivada de músculo liso): as células não variam muito em tamanho, forma e se assemelham muito ás células de origem.

 

C) Avalie as figuras abaixo e descreva-a:

Figura 11: Trata-se de um hepatocarcinoma- (A) Observar a esqueda, uma massa grande, volumosa, não circunscrita que vai se infiltrando (veja algumas massas menores à direita; (B) Veja em detalhes a massa neoplásica à esquerda, infiltrando o tecido adjacente (múltiplos nódulos).

 

4.3 O termo tumor e câncer pode ser utilizado?

O termo tumor, usado classicamente para descrever qualquer massa ou aumento de volume, atualmente, têm sido utilizado como sinônimo de neoplasia. Já o termo câncer deve ser utilizado apenas para se referir a tumores malignos.

 

4.4 Como as neoplasias são classificadas?

Elas podem ser classificadas baseadas em critérios histopatógicos ou de acordo com o seu comportamento.

 

4.5 E a nomenclatura?

4.6 Quais lesões são consideradas como potencialmente malígnas?

Em primeiro lugar lesão potencialmente maligna (termo mais adequado) ou pré-cancerosa, são lesões que tem maior probabilidade de evoluir para um câncer que um tecido normal. Vale lembrar que essa denominação é baseada em dados estatísticos e probabilístico. Nesse sentido, pode-se dizer que nem toda lesão potencialmente maligna evoluirá para um tumor maligno. As principais lesões potencialmente malignas são:

* As displasias (principalmente na mucosa gastríca, no colo uterino, no epitélio brônquico,etc.

* Hiperplasias (como por exemplo a hiperplasia do endométrio);

* Algumas neoplasias benignas (exemplo: os polipos adenomatosos do intestino grosso);

* Determinadas doenças de natureza genética (polipose familial do colón, xeroderma pigmentoso, etc).

 

5. Reposta do hospedeiro ás neoplasias

5.1 Como as neoplasias se disseminam?

As células neoplásicas podem se diferenciar por diferentes maneiras: pela invasão do estroma do tecido conjuntivo, pela disseminação através do sistema vascular e por implantação em novas superfícies. As células neoplásicas também invadem os vasos linfáticos e disseminam-se para os linfonodos regionais.

5.2 E a invasão?

A  capacidade de invadir tecidos do hospedeiro é uma propriedade intrínseca das células neoplásicas. Alterações na superfície celular e no citoesqueleto abaixo da superfície promovem a extensão de pseudópodes abaixo da membrana basal e entre os planos do tecido.

5.3 Liberação de enzimas que degradam o tecido conjuntivo

As células neoplásicas podem secretar proteases com especificidade mais geral e promover a lise de um grande espectro de proteínas. Já os carcinomas normalmente invadem os tecidos ao elaborarem enzimas (colagenases) que degradam o tecido conjuntivo.

5.4 O que é uma metástase?

—Do grego “Metastatis”= mudança de lugar,  transferência; —É a formação de uma nova lesão á partir da 1ª mas sem continuidade entre as duas (Figura 12 e 13). A formação de metástase é um processo complexo que depende de inúmeras interações entre as células malígnas e os componentes do tecidos tecidos normais, especialmente do estroma.

A formação de uma metástase envolve (Figura 12):

(a) Destacamento das células da massa tumoral inicial;

(b) Deslocamento dessas células através da matriz extracelular (MEC);

(c) Invasão dos vasos linfáticos ou sanguíneos;

(d) Sobrevivência das células na circulação;

(e) Adesão ao endotélio vascular no órgão que irão se instalar;

(f) Saída dos vasos nesse órgão (diapedese);

(g) Proliferação no órgão invadido;

(?) Indução de vasos para o suprimento sanguíneo do novo grupo de células.

Figura 13: Esses processos ou etapas dependem de alterações na expresão de vários genes e de sinais gerados no estroma, não só do tumor como também do órgão em que a metástase se forma.

5.5 Características morfológicas de uma metástase:

Macroscopicamente ás metástases apresentam-se como nódulos numerosos, bem delimitados, de tamanhos variados, na superfície ou na intimidade dos órgãos. Microscopicamente tal quadro é bem variado, ás células de metástases, podem ter ás mesmas características do tumor primário ou até, raramente, ser mais diferenciadas; na maioria das vezes são menos diferenciadas e mais atípicas. Por isso, quando se analisa mestástase em um órgão nem sempre é possível determinar o tumor de origem.

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